Carlos Miguel Aidar
A democracia, como governo do povo, pelo povo e para o povo, nasceu com a perspectiva de eliminar o poder invisvel e dar visibilidade aos governos, cujas aes deveriam ser desenvolvidas publicamente. A transparncia do poder constitui, portanto, um dos fatores de superioridade da democracia diante dos estados absolutos, que do vazo a toda espcie de atos mafiosos e servios secretos incontrolveis. O Estado moderno, porm, tem substitudo as clssicas aes subversivas de combate ideolgico pela rede de corrupo que se alastra nas malhas da administrao pblica, em todas as esferas (municipal, estadual e federal) e pela bandidagem, que integra faces criminosas, formando joint ventures em torno do trfico de drogas. Esta uma das maiores ameaas democracia contempornea e, no caso brasileiro, se apresenta como um dos graves fatores de corroso institucional.
Examinando a questo sob o ngulo da violncia, que tende a solapar as bases da sociedade brasileira, ao trazer para o seio das famlias o medo e a insegurana, o poder oculto exprime no apenas a fragilidade de nossas instituies e dos aparatos policiais, mas a fora extraordinria de um organismo estruturado para funcionar em termos de empreendimento negocial, agindo como verdadeiro Estado Invisvel dentro do Estado Visvel, na mais cabal demonstrao de que a nossa democracia est sitiada por comandos cada vez mais aguerridos, instrumentalizados e dispostos a multiplicar os seqestros, as emboscadas, enfim, os atos criminosos de todas as espcies.
A outra face da criminalidade est escondida sob a capa hedionda da corrupo que, escorada nos mais remotos costumes de nossa civilizao, avana sobre a res publica, formando grupos e bandos que se apropriam dos bens do Estado, que so os bens do povo, locupletando-se das estruturas pblicas, irmanando-se nas malhas intestinas da ilicitude. Por mais que a visibilidade em torno da corrupo funcione como um antdoto, controlando ncleos e arrefecendo as disposies de corruptos e corruptores, um fato que a ladroagem no campo da administrao pblica ainda muito intensa, o que contribui para expandir o chamado custo Brasil.
Se formos somar os resultados auferidos pelo poder invisvel, tanto no mbito da criminalidade quanto na esfera da corrupo, chegaremos a nmeros fantsticos que, segundo os mais experientes contabilistas, ultrapassam US$ 300 bilhes. Trata-se de uma monumental sangria nas veias do Estado brasileiro. uma montanha de recursos que poderia estar sendo investida em sade, saneamento bsico, habitao, segurana, transporte, educao e alimentao. Ou seja, o dinheiro desviado financia um outro territrio, alicera as bases de um outro Poder, o poder invisvel, o Estado da arbitrariedade, onde mafiosos, criminosos, corruptos, irmanados no crime, conspurcam o conceito de nossa Nao.
claro que precisamos ir fundo nas causas, atacando a primeira delas, a questo social. Um pas, onde 50 milhes de pessoas ainda vivem em condies precrias, no pode exibir fortaleza institucional. Parcela pondervel da insegurana nacional conseqncia das mazelas geradas pela ausncia ou inadequao de polticas pblicas. Veja-se o caso da segurana. Cerca de 40 mil brasileiros tombam, por ano, vtimas da violncia. As seqelas no se apresentam apenas na escala dos valores que formam o esprito social. A mortandade de brasileiros abatidos pela violncia responsvel por um gigantesco ralo de R$ 80 bilhes, por ano, empregados na esteira da criminalidade a rede hospitalar que atende s vtimas, os inativos abatidos, o sistema de seguros, as vivas, os dispositivos e estruturas policiais.
A Seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil faz o seu mais veemente apelo s autoridades pblicas, para que voltem suas atenes para o "Estado Invisvel" que se expande dentro do "Estado Visvel"; solicita a urgente implantao de polticas pblicas voltadas para minorar as causas da misria e atenuar os fatores crimingenos; conclama a conscincia cvica de So Paulo a fazer parte do mutiro pela segurana social; e convoca o seu corpo associado ao esforo permanente de mobilizao para combater todas as formas, os processos e as prticas criminosas que ameaam tornar o pas uma terra de barbrie.
O Estado Democrtico de Direito no aceita o estado antidemocrtico da violncia, da criminalidade e da corrupo.
Carlos Miguel Aidar presidente da OAB de So Paulo
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