Título: O protecionismo dos EUA
 
Fernando Homem de Melo

Após o otimismo produzido pelos resultados da reunião ministerial da Organização Mundial do Comércio (OMC), em Doha, Catar, no fim de 2001, uma certa preocupação, ou mesmo pessimismo, passou a predominar entre os analistas de comércio internacional. As principais razões para essa rápida mudança de percepção tiveram origem nos Estados Unidos, tanto no Executivo como no Legislativo.

Os Estados Unidos não têm uma tradição de protecionismo generalizado. Ao contrário, é um país bastante aberto às importações, com tarifas bastante baixas para uma imensa gama de produtos industriais e agrícolas. Alguns poucos produtos, porém, são extremamente protegidos, com tarifas de importação muito elevadas (açúcar, suco de laranja e fumo). Esses são produtos importantes para ao Brasil. Adicionalmente, os EUA têm uma política de apoio a seu setor agrícola que distorce preços no mercado internacional, rebaixando-os, principalmente no caso de grãos (soja, milho, algodão e trigo), igualmente importantes para nós.

As recentes medidas restritivas às importações de aço, a nova e mais generosa legislação agrícola e as limitações sendo impostas pelo congresso norte-americano às negociações na OMC e na Área de Livre Comércio das Américas (Alca) contribuíram para a mencionada mudança de visão dos analistas internacionais. A última delas, a chamada “emenda assassina”, exige a aprovação individualizada pelos congressistas de decisões acordadas na OMC e na Alca.

Mais especificamente à agricultura, desde 1997 os Estados Unidos estão aumentando os montantes dos subsídios (subsídio equivalente ao produtor) concedidos. Enquanto naquele ano o valor foi de US$ 71,6 bilhões, em 1999 alcançou US$ 96,5 bilhões e, em 2000, ficou em US$ 92,3 bilhões. Só a soja aumentou de US$ 5 milhões em 1997 para US$ 2,8 bilhões em 2000. Enquanto isso, a União Européia, outro reduto do protecionismo agrícola, teve uma situação de menores subsídios a seus produtores: US$ 125 bilhões em 1997; US$ 129,5 bilhões em 1999 e US$ 103,5 bilhões em 2000. A nova legislação agrícola norte-americana aumentará os montantes de subsídios nos próximos anos.

Será importante, nesse contexto, separar das medidas aprovadas aquelas que são distorsivas do mercado agrícola internacional e provocam queda dos preços internacionais de equilíbrio. Poder-se-á, assim, identificar quais serão os prejuízos dos produtores brasileiros. É possível que em alguns casos sejamos favorecidos.

Uma dessas possibilidades, aliás muito importante pelo seu valor econômico, é a da soja. A razão está na alteração dos preços de garantia de soja e milho: o primeiro terá seu valor diminuído de US$ 193,2/tonelada para US$ 183,7/tonelada; o do milho terá seu valor aumentado, de US$ 74,4/tonelada para US$ 78,0/tonelada. Essa alteração favorecerá uma expansão da cultura do milho em detrimento da soja. Isso já comprovado no levantamento de intenção de plantio: + 4,3% para a área plantada de milho e - 1,5% na de soja. É provável que tenhamos uma redução de 500 mil hectares na área plantada de soja, o que será favorável aos produtores brasileiros em 2002/2003.

Fernando Homem de Melo é economista da Fipe/USP