Título: Biotecnologia: liberar ou não os transgênicos?
 
Fábio de Salles Meirelles

A questão dos transgênicos tem sido motivo de intensas discussões no Brasil. De um lado os institutos de pesquisas, como a EMBRAPA, algumas áreas do governo e as entidades representativas dos agricultores têm realizado inúmeras tentativas no sentido de obter a liberação do plantio, em escala comercial, de cultivares transgênicas. De outro, movimentos de defesa do consumidor, ambientalistas, alguns setores governamentais e muitas ONGs têm-se posicionado contrários à sua liberação.

Apesar da polêmica, para evitar problemas econômicos e sociais que resultariam da proibição da comercialização da safra de soja transgênica, principalmente na região Sul do País onde a mesma já é cultivada a quatro safras e estima-se que 3/4 da produção de soja seja proveniente de sementes geneticamente modificadas, o Governo Federal editou a Medida Provisória 131, permitindo a comercialização da safra 2003/2004.

A polêmica em torno da liberação dos transgênicos envolve, principalmente, a questão da segurança alimentar e seus possíveis impactos ambientais. Existem evidências científicas disponíveis que indicam que os potenciais efeitos para a saúde humana e animal dos alimentos derivados da biotecnologia não são diferentes daqueles criados pelas práticas convencionais. Quanto aos impactos ambientais, a contestação da aplicabilidade de estudos realizados em outros países ao Brasil, por se tratarem de ecossistemas diferentes, é utilizada como argumento contra a liberação da produção e comercialização de OGMs. Parece consenso a necessidade de estudos, em todas as regiões do País, para avaliar de forma efetiva o impacto da liberação da produção de produtos transgênicos sobre o meio ambiente.

Um ponto a ser considerado é que os cultivos transgênicos têm potencial de auxiliar na melhoria da produção de alimentos, bem como na redução de seu custo ao consumidor final. A utilização de cultivares transgênicas pode, ainda, propiciar a redução no uso de defensivos agrícolas, reduzindo a exposição do agricultor a estes produtos. Além disso, a tecnologia de obtenção de espécies transgênicas, em especial a soja, pode contribuir para o desenvolvimento do mercado de biodiesel no País.

O Brasil, por sua posição de liderança na produção e exportação de produtos do agronegócio não pode ignorar as conquistas da biotecnologia. A liberação da produção e comercialização de produtos transgênicos é inevitável, já que não se pode abdicar do avanço da tecnologia. Cedo ou tarde isso deverá acontecer e o Brasil pode ficar na contramão da produção agrícola mundial.

Não faz sentido coibir o desenvolvimento científico-tecnológico num país de dimensões continentais, onde é possível produzir, por exemplo, os três tipos de soja (tradicional, transgênica e orgânica), para atender aos diferentes mercados consumidores mundiais. Seria mais producente investir num sistema sério de certificação para os produtos transgênicos (ou para os convencionais), como já existe para os orgânicos, colocando-o a serviço da competitividade do agronegócio brasileiro, tanto no mercado interno quanto internacional.

É necessário o estabelecimento de uma política clara para a biotecnologia no Brasil, com regras práticas e consistentes sobre o desenvolvimento de pesquisas, produção e comercialização de produtos, bem como a definição do procedimento das ações e atuações do Poder Público.

A política para a biotecnologia deve ser objetiva, procurando evitar os problemas atuais com sobreposição de responsabilidades e interferências ideológicas, em detrimento das comprovações científicas e do desenvolvimento econômico e social do agronegócio. É fundamental que a legislação brasileira de biotecnologia seja adequadamente implementada para manter o agronegócio brasileiro no caminho do desenvolvimento.

Um assunto dessa ordem enseja uma série de definições necessárias à regulamentação e decisão conclusiva acerca do tema, capaz de contemplar todas as áreas envolvidas no contexto da política de utilização dessa biotecnologia.

Fábio de Salles Meirelles é presidente da Faesp (Federação da Agricultura do Estado de São Paulo)