Título: Carga rápida – solução pela hermenêutica
 
Jairo Henrique Scalabrini

É constante o descontentamento dos advogados com a supressão da "carga rápida" após a edição do provimento CGJ nº 34/2001. Hoje, o advogado é proibido de retirar autos de cartório sem petição de vista, mesmo sem fluência de prazo comum, o que acontece também nos autos findos. Em muitos casos, o advogado tem que juntar procuração por petição para ter vista de processos em que a defesa tem prazo exíguo (contestação em execução de alimentos, três dias; em ação de busca e apreensão em alienação fiduciária, três dias; e em falência, 24 horas), correndo o risco de perder a melhor e única oportunidade de defender seu cliente. E não há garantia de devolução de prazo que, se não concedida pelo juiz, não poderá ser revista pelo Tribunal, pois não há como instrumentar agravo com prova de negativa de pedido verbal anterior à petição.
Ao contrário do que nos é alegado, a prática acima não tem qualquer previsão legal ou regimental e a boa hermenêutica prova essa assertiva. Para a supressão da carga rápida, os juízes invocam o provimento n° 34/2001 e capítulos II, Seção III, subitem 94.2 e IX, seção IV, itens 29 e seguintes das NSCGJ, combinados com o artigo 40, III-CPC. Mas os dispositivos regimentais disciplinam apenas as cópias reprográficas autenticadas feitas pela secretaria do próprio fórum, como é nítido no texto do item 29, Seção IV, do Capítulo IX. É o que também se nota do item 31, que exige a apresentação de impresso em modelo único e pagamento de custas.
Note-se que a razão da edição do provimento nº 34/01 foi "a necessidade de melhor disciplinar o procedimento cabível para a extração de cópias requisitadas na fluência de prazo" e não a retirada dos autos do cartório, pois esta nem sempre tem por objetivo a extração de cópias. Os vocábulos "procedimento" e "cópias requisitadas", contidos naquele texto se referem às cópias autenticadas pela secretaria do fórum, pois somente estas exigem "procedimento" e "requisição". Portanto, é nítido que estes dispositivos da CGJ não regulam a retirada de autos fora de cartório, mas apenas o funcionamento e a arrecadação do serviço de cópias do Tribunal de Justiça.
De qualquer forma, a exigência de pedido de vista de autos sem fluência de prazo ou arquivados é ilegal, pois o provimento nº 34/01 diz respeito a autos com "fluência de prazo" e o Estatuto da Ordem garante o direito de retirar do cartório autos findos mesmo sem procuração (artigo 7º, XVI). Ao artigo 40, III-CPC, a doutrina dá melhor interpretação, concordando com a impossibilidade de vista dos autos fora do cartório somente em caso de fluência de prazo comum.
A lei processual ainda é dotada de outros dispositivos que permitem uma maior flexibilidade no controle do acesso aos autos. Segundo o caput do artigo 162-CPC, os atos do juiz são sentença, decisão interlocutória e despachos. Já há nove anos a Lei nº 8.952/94 acrescentou ao artigo 162 o § 4°, que deixou de exigir despacho judicial para o cumprimento de atos meramente ordinatórios, como "juntada" e "vista obrigatória", transferindo a responsabilidade destes atos ao serventuário, que os deve praticar de ofício. Se confrontado o § 4° com o caput e demais parágrafos do artigo, veremos que foram excluídos da competência do juiz os atos meramente ordinatórios, que não dão impulso ao processo e, assim, não se incluem na definição de sentença, decisão interlocutória, ou despacho. Note-se que a enumeração do caput do artigo 162-CPC é taxativa. Já o mesmo não acontece com o § 4°, pois ao inserir o termo "como" antes dos termos "juntada" e "vista obrigatória", o legislador deu enumeração exemplificativa aos atos que cabem ao serventuário. Logo, também são de sua competência todos os demais atos que se inserem no conceito de meramente ordinatórios, de documentação, tais como intimação, vista dos autos fora de cartório e juntada de guias, documentos e petições.
Com a lei de 1994, o legislador buscou dar maior celeridade ao processo, outorgando ao juiz as decisões importantes e ao serventuário os atos de mero registro. Isso não quer dizer que o escrivão tem poder discricionário de decisão. A ele cabe cumprir a lei.
O procedimento adotado após a edição do provimento nº 34/01, além de não atender à vontade da lei, prejudica a administração da Justiça e ainda abre oportunidade para interposição de recursos, pois ao deferir (ou não) pedido de vista, o juiz estará sujeitando sua decisão (interlocutória) ao recurso de agravo; contra ato do serventuário não cabe recurso.
Como se vê, a solução do problema está na própria norma que o Judiciário invoca para tolher prerrogativas. A OAB SP, sempre diligente na defesa dos advogados, já levou a questão ao Superior Tribunal de Justiça. Mas cada advogado, individualmente, no seu dia-a-dia, deve integrar a luta e levar a defesa de seus interesses até a última instância. A defesa das prerrogativas deve ser tão individual quanto difusa, pois só chegará a merecer atenção quando ganhar notoriedade.

Jairo Henrique Scalabrini é Membro da Comissão de Direitos Humanos da 49º Subsecção da OAB SP-Dracena